Limites do Marketing e da Comunicação na Saúde

Sou médica. Desde o começo da minha carreira tenho um foco maior na prevenção e promoção da saúde. Acredito que o uso do marketing pode ter uma grande relevância na saúde pública e que a comunicação é uma excelente ferramenta para transformação e construção de uma sociedade mais saudável.

Fui convidada pela FIS, iniciativa que une lideranças da Saúde da América Latina, para participar de um painel no Fiesta Marketing Summit, num bate papo sobre os limites da comunicação em saúde com a Cristiane Santos da Pfizer, Solange Beatriz Mendes da CNSEG e Luis Fernando Correia, moderador do painel. A conversa foi ótima! Compartilho aqui alguns pontos para reflexão sobre o tema.

Estamos vivendo um período de mudanças, as tecnologias digitais e as redes sociais descentralizaram a comunicação em geral, e a saúde, como tema crucial em nossas vidas, não está fora desse movimento. Com a chegada da epidemia do Coronavírus, a saúde virou pauta principal em todos os meios, um desafio imenso de comunicação em saúde frente a uma doença desconhecida e cheia de incertezas. Vimos surgir vários especialistas e produtores de conteúdo em saúde e, mais do que nunca nos vimos inundados por informações sem fundamentos científicos, por vezes alarmantes em excesso, em outras minimizando excessivamente a ameaça. Tivemos uma experiência concreta de como a comunicação pode influenciar os hábitos e a saúde de uma população – para o bem e para o mal.

Quando pensamos na promoção da Saúde Coletiva é importante ressaltar a diferença entre Comunicação e Marketing em saúde, e a importância de utilizar as duas ferramentas de forma correta e complementar. A comunicação em saúde busca promover a mudança de comportamento através de diferentes formas de comunicação como campanhas de prevenção, eventos, ações de PR. O marketing em saúde tem uma visão mais ampla envolvendo outros fatores para facilitar a mudança de comportamento como a diminuição de barreiras (redução de custo de alimentos saudáveis, por exemplo) e a oferta de benefícios (criar um ambiente que simplifique e estimule a adoção de hábitos saudáveis).

Se por um lado, a comunicação em saúde ajuda a democratizar as informações e facilita a compreensão sobre as doenças, por outro, traz riscos como o acesso a conteúdos equivocados – as “fake news da saúde”, além de gerar uma preocupação excessiva em algumas pessoas, os já chamados de cibercondríacos.

Por estarmos tratando de um assunto complexo, vários aspectos precisam ser levados em consideração. Os princípios básicos devem ser sempre atendidos: toda comunicação deve estar alinhada aos princípios de ética médica e da não exposição do paciente. O setor é bastante regulado e a comunicação também deve atender às diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM), que orienta que a comunicação não tenha fins comerciais e esteja sempre a favor do esclarecimento e educação da sociedade, garantindo alguns cuidados:

  • identificação adequada (nome, CRM, credenciais do médico)
  • compromisso com a verdade (e evidências científicas que comprovem)
  • não visar lucro (não divulgar valores ou realizar venda on line)
  • focar na assistência, evitar apresentações abusivas ou sedutoras (oferecer o melhor tratamento, garantia de resultado, imagens antes/depois)

Além dos aspectos regulatórios, é necessário refletir sobre os aspectos culturais. O que nossa sociedade atual julga aceitável na comunicação em saúde?

O número de pessoas que busca informações de saúde na internet é grande. Segundo uma pesquisa realizada pelo Google em 2015 e divulgada pelo Estadão, 26% dos brasileiros recorrem primariamente ao “Dr. Google” ao se deparar com uma questão de saúde. O Brasil foi o país em que as buscas mais cresceram no mundo (e isso ainda antes da pandemia). Enquanto apenas 25% dos brasileiros têm plano de saúde, 79% estão conectados à internet.  https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-lidera-aumento-das-pesquisas-por-temas-de-saude-no-google,70002714897

O interesse em saúde existe. Para garantir uma comunicação em saúde de qualidade, alguns pontos são fundamentais:

  1. Autoridade

É importante termos a produção de conteúdo feito por pessoas com conhecimento técnico. Muitos profissionais de saúde têm receio de se expor, mas, o fato é que já temos muito material de saúde nas redes sendo divulgado por leigos – de musas fitness a pseudo-especialistas em nutrição – dar acesso a informações de qualidade é cada vez mais necessário.

Precisamos também orientar a população a buscar fontes e veículos confiáveis e a checar quais as credenciais da instituição ou do profissional que produziu o conteúdo que o credibiliza a falar sobre o assunto (a formação e especialidades sempre devem ser divulgadas de forma clara para que possam ser checadas).

A parceria de veículos com organizações de renome para produção de conteúdo é uma boa opção para trazer credibilidade à informação, como no caso da união do Google com o Hospital Israelita Albert Einstein, para a criação de verbetes sobre as questões de saúde que aparecem na primeira página de busca do Google.

2. Autenticidade

Cada vez mais torna-se importante pensarmos em mecanismos para checar a autenticidade das informações de saúde. A divulgação de mensagens erradas como “jejum para tratar câncer” podem levar a consequências desastrosas. As redes sociais têm criado algumas ferramentas interessantes, como os selos blue mark no Instagram para certificar profissionais como autênticos e de credibilidade.

Qualquer conteúdo em saúde deve ser baseado em evidências científicas, os dados precisam ser provenientes de bases confiáveis, de preferência publicados em revistas de credibilidade (e revisadas por pares). Mas, nem sempre os conteúdos de saúde são consenso absoluto, como no emblemático caso do ovo, onde até mesmo as evidências científicas comprovam que ora faz bem, ora faz mal para saúde. Ou, como no período da epidemia de Covid-19, em que, na falta de certezas, a comunicação precisou se basear na melhor evidência disponível até o momento. As fontes sempre devem ser divulgadas, trazendo clareza sobre eventuais limitações dos estudos.

3. Responsabilidade

Compartilhar informações corretas é essencial. Os algoritmos das redes sociais facilitam o efeito influenciador, fazendo com que uma informação errada leve a outras informações erradas, o que pode gerar crenças coletivas prejudiciais à saúde, em movimentos difíceis de conter – como no caso das teorias anti-vacina. A sociedade precisa ser educada para desenvolver uma visão mais crítica, ter cuidado redobrado e sempre checar a veracidade antes de postar, curtir ou compartilhar qualquer informação de saúde. Para o profissional de saúde que deseja atuar como produtor de conteúdo, é recomendado que mantenha uma postura conservadora, esteja atento para não misturar opiniões pessoais com recomendações profissionais.

Além desses pontos, uma comunicação de qualidade precisa gerar interesse e engajamento. A comunicação em saúde precisa ser sexy e cool para gerar mudança de comportamento. Enquanto em outros países já temos muito material de saúde de qualidade nas redes (eu, particularmente sigo alguns cientistas/influenciadores fantásticos no Tik Tok), no Brasil, apesar do crescimento recente no número de profissionais de saúde publicando, ainda temos uma pequena quantidade de produtores de conteúdo relevantes em saúde – quando uma marca me procura para trazer um palestrante ou fazer uma curadoria de conteúdo, quase sempre ainda citam apenas o Dr. Dráuzio Varella (unanimidade querido por todos!) como referência.

Precisamos estar abertos para repensar nossos conceitos e paradigmas. Inovar, simplificar e tornar as informações de saúde acessíveis para leigos. Investir na comunicação para facilitar o contato com os pacientes, aprofundar o conhecimento sobre suas questões pessoais de saúde, monitorar doenças crônicas e incentivar que assumam a responsabilidade sobre suas decisões de saúde. Usar as ferramentas do marketing para facilitar a mudança de comportamento, indo além das dancinhas para atrair o engajamento ou das promessas sensacionalistas, que levam a acreditar em resultados não realistas. Unir a ciência da mudança de comportamento com as técnicas de criatividade das redes, unir a diversão ao conteúdo de qualidade. Temos boas oportunidades para profissionais e marcas que queiram difundir informações de saúde com profundidade e gerar reconhecimento em sua área ou causa de atuação!

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